Luciana Rodrigues
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como escutar o som de um relógio

"Cabanas, domus, castelos, villas, palazzos, são denominações históricas do espaço unifamiliar. São representativas da arquitetura mais elementar, mais próxima e utilizável pelo ser humano, considerada a sua real terceira pele, logo após a epiderme e a roupa que o protege do meio ambiente onde vive. Entretanto, haverá uma palavra que, independente das classes sociais, sintetizará toda noção de habitação privada: a casa. Vista como abrigo, refúgio, microcosmo privado, a casa nos remete ao conceito de lar que integra memórias, imagens, passado e presente, sendo um complexo de ritos pessoais e rotinas quotidianas que constitui o reflexo de seus habitantes, aí incluídos seus sonhos, esperanças e dramas."

Desde a infância a BR-020 é o trajeto que faço entre Fortaleza, onde moro, e a região dos Inhamuns, terra natal dos meus pais e onde ainda residem meus avós. Testemunhando o crescente abandono das casas construídas à beira da estrada, comecei em 2013 a fotografar essas construções.

Nesse percurso, muitas vezes não tenho informações sobre a história da casa fotografada ou quem morou ali, o que me leva a pequenas investigações do que foi deixado pra trás. Objetos diversos como móveis, utensílios pessoais e de cozinha, pinturas ou escritos nas paredes me guiam na reflexão sobre as diferentes rotinas cotidianas abrigadas em cada edificação.

Esse exercício é mediado por conexões com a literatura, mais especificamente com quatro livros cujos enredos transcorrem à sombra do espaço doméstico: “A menina morta”, de Cornélio Penna, “Como se desenha uma casa”, de Manuel António Pina, “Crônica da casa assassinada”, de Lúcio Cardoso e “O Som e a Fúria”, de William Faulkner que foi inspiração para o título da série. Em seu segundo capítulo, por meio do personagem Quentin, Faulkner faz uma reflexão sobre o modo como nos relacionamos com o tempo, sempre medido pelo movimento dos ponteiros de um relógio.

Esse caminho que repetidamente percorro ano após ano, me leva a perceber a lenta mudança da paisagem que depende do período do ano, da intensidade das chuvas e do modo como essas casas resistem. Enquanto em Fortaleza me surpreendo com a velocidade com que casas antigas são constantemente demolidas, aqui acompanho e contemplo um processo de decomposição que pode durar décadas. Embora escute o som do relógio e tenha consciência da sua marcha cega para medir o tempo, nessas viagens tento esquecer sua faceta cronológica e desenvolver o trabalho na busca do tempo das lembranças, reais ou imaginadas, onde passado e presente se confundem.

Realização:

logo da funarte
Uma estrada de barro úmido logo abaixo da imagem nos convida à entrada da casa que está protegida com um muro de mato baixo. Céu azul claro com nuvens brancas, ao centro uma casa em ruína, com fachada branca retangular com duas portas azuis nas laterais, ao centro um porta verde e duas janelas verdes de cada lado. A casa se forma com um telhado triangular. Ao redor de árvores e mato verde.
Uma estrada de asfalto cinza logo abaixo da imagem é dividida por uma paisagem de mato verde conduzindo por uma subida até o instante mais alto da imagem ao lado esquerdo e descendo novamente para o lado direito da imagem. Mais a cima da imagem, o branco das nuvens cobrem o azul do céu, deixando pequenos vestígios que o azul esteve ali. Ao centro da imagem, entre árvores não podadas e mato verde forte que cresceu, vemos uma casa em ruína, com fachada branca e telhado cor de terra escura. A casa tem dois pilares pouco visíveis e um forro triangular.